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E o Filme da Barbie?

E o Filme da Barbie?

Um filme que surpreendeu primeiramente pelo efeito social que teve, de repente tudo rosa, só se falava em Barbie e a cor rosa virou o traje oficial para assistir o filme. O que explica isso? Talvez a relação afetiva de várias gerações com a Barbie. A minha geração não era fã desta boneca, pois a Susi que era da marca Estrela era o sonho das meninas da minha geração. Quando chegou no Brasil a Barbie lembro de não ter gostado, ela não tinha os olhos de vidro e os movimentos articulares da Susi.

A empresa Estrela apresentou a boneca Susi em 1966, como um conceito de grande sucesso, o de fashion doll, ), ela foi a queridinha por diversas gerações até 1985, depois voltou a ser lançada em 1997. Apesar da Barbie ter sido lançada seis anos antes do que a Susi, no Brasil ela chegou primeiro e fez muito sucesso nos primeiros anos.

Barbie venceu a luta de mercado e permaneceu. A Susi ficou na lembrança da infância da minha geração. E, ela era o brincar com o mundo adulto para além da maternidade. A minha Susi é a noiva, mas ela se transformava em profissional nas diferentes brincadeiras. Era um exercício de se olhar em diferentes possibilidades do mundo das mulheres adultas. As minhas filhas, Helena e Estela, foram a geração que desejava as diferentes Barbies, e aqui em casa ainda há muitas, em torno de 20.

Voltando o filme, sim eu fui assistir, me vesti de rosa, e até recebi elogios de que a cor me deixou bonita, mas o importante era participar do momento com as meninas. Como sou madrasta de uma linda menina de 11 anos e tia de uma bela menina de 7 anos e, elas queria muito ver o filme tornamos um evento para curtir. Faço a ressalva que esse filme não tem indicação para crianças menores de 12 anos. Então, se você for com crianças se prepare para ter disponibilidade para conversar sobre o filme explicar contextos e diálogos.

Vamos ao filme, as primeiras cenas confesso que me deixou desconfortável, até porque haviam muitas crianças, e qualquer forma e expressão de violência não vejo como uma mensagem de transformação da realidade de forma saudável. As cenas de bonecas sendo destruídas por meninas ao encontrarem a boneca Barbie foi desnecessária, mesmo para os adultos e alimenta discursos distorcidos sobre a pauta feminista. No entanto, preciso ser coerente e reconhecer que apesar do filme ser protagonizado por um brinquedo infantil, ele não possui classificação livre, sendo que no Brasil é liberado para crianças acima de 12 anos.

Após o início o filme ser torna divertido e repleto de possibilidades de análises sobre nosso mundo desigual com relação aos homens e mulheres. O mundo da Barbie apresenta a desigualdade tornando os homens desnecessários, elas se bastam, seja para se divertir, ou administrar o mundo perfeito. Ah, e os homens giram em torno das Barbies, buscando seu olhar que raramente consegue se conectar com eles. Essa dinâmica soa como muito conhecido para o mundo feminino do mundo real.

No decorrer do filme uma mulher busca em suas lembranças de infância, no seu brinquedo preferido aliviar as suas frustrações e trás a Barbie para o mundo real, nesse encontro do mundo perfeito se torna impossível não perceber os danos dessa dissociação entre o mundo masculino e feminino. Mesmo que a empresa tenha criado bonecas para todas as profissões e tenha supostamente tido a intenção de possibilitar as meninas se projetarem para esses cenários, ainda vemos as mulheres com dificuldades de reconhecimento e, são julgadas de diferentes formas, não havendo um lugar liberdade para ser, tudo pode ser questionado.

Ao mesmo tempo vemos os homens no mundo da Barbie descobrindo que como no mundo real, a fórmula para o poder sobre as mulheres é a invalidação, é a manipulação que as levem acreditar que apenas elas servirem os homens já é o auge para suas vidas. De forma lúdica e estereotipada o filme permite a reflexão que nessa dinâmica de opressão, de invalidação das mulheres no mundo real transportada para o mundo perfeito da Barbie, bem como esse lugar de “nos bastamos” e somos os melhores para comandar o mundo real transportado para o mundo perfeito do Ken não é suficiente, não os torna homens verdadeiramente felizes.

O mundo da Barbie era perfeito para as bonecas, mas não para eles, os bonecos. No mundo real as mulheres ainda não são ouvidas, são reprimidas, desconsideradas e negadas em sua capacidade de realização. E, o que temos no mundo real são homens perdido em sua necessidade de dominação, de poder, mas internamente são como o Ken, inseguros e infelizes.

O mundo perfeito ainda não existe, é uma utopia, mas como toda utopia serve como direção a ser seguida, e no filme aparece esse caminho iniciando no mundo da Barbie e do Ken. No mundo real estamos nessa busca, há séculos, muitas mulheres foram corajosas em fazer mudanças, enfrentar barreiras e resistências para que hoje possamos ter direitos como: votar, dirigir, estudar, trabalhar e até escolher como desejamos viver nossa sexualidade, se desejamos ou não ser mãe.

Não vejo o filme como danoso aos valores da família, pois ele é uma boa oportunidade de discutir questões importantes que irá favorecer relações mais saudáveis. Os homens não precisam se sentir mal porque o Ken parece fútil, que se preocupa com a beleza e tem uma capacidade limitada, pois no mundo dele o lugar que lhe cabia era ser objeto de desejo da Barbie. E, assim que muitas mulheres ainda se sentem no mundo real, apenas o objeto de desejo dos homens, precisam ter corpos perfeitos, rir na hora certa, olhar na hora certa, expressar emoções na hora desejada pelo homem, nem mais e nem menos.

Olhar para esse contexto pode ajudar adolescentes, jovens e adultos perceber que não é benéfico para as famílias essa forma dicotomizada de ver homens e mulheres. Respeitar as diferenças, as singularidades e dar espaço para que cada um ser o que deseja e com equidade é o caminho do encontro entre eles e elas, e no encontro se constrói infinitas possibilidades de um mundo melhor para todos.

Quão limitadas somos quando acreditamos que tem que ter um que manda e outro que se submete, é diminuir a capacidade humana, é não perceber que na colaboração entre as forças que se constrói. Pensar um mundo a partir do paradigma de mais ou menos nos prende num nível de consciência que favorece a dominação, a repressão e a negação do outro. O paradigma das diferenças nos possibilita uma consciência que agrega, acolhe e consegue descobrir o quanto o mundo pode ser mais leve ao nos permitirmos respeitar e se interessar genuinamente pelo o outro. Dessa maneira podemos pensar nas diferenças de gênero, o quanto somos excludentes quando determinados que só pode haver duas formas de se sentir humano, ou somos homens, ou mulheres com um corpo biológico que tudo determina, essa forma de pensar nega a complexidade do ser humano.

Quando considero as diferenças deixo meu lugar de ousadia de achar que sei o que outro precisa, abandono a arrogância de achar que o outro precisa andar pelos mesmos caminhos, passar pelas mesma dores e desejar as mesmas coisas, pois quando estou no suposto lugar de saber sobre o outro, julgo e quero impor meus pensamentos, meus desejos, minhas crenças como a verdade única. Esse é o germe das maiores atrocidades da humanidade.

Enfim, espero que este filme por meio do rosa, do lúdico e das lembranças afetivas que este brinquedo traz para muitos adultos promova uma reflexão, se você ainda não foi, se permita ir com mais disponibilidade de sentir e pensar sobre as cenas e a relação delas com nosso mundo real. Precisamos ainda ressignificar as relações e estas nos diferentes espaços da sociedade, somente dessa forma não precisaremos mais quebrar bonecas bebês, pois poderemos ser e estar onde e como desejarmos, e quando se tratar de ter filhos, construir uma família, a escolha será mais comprometida e amorosa, e que esta seja de ambos, sem a necessidade de anulação da mulher em seus outros anseios.

Que o mundo perfeito da Barbie e do Ken seja transformado em um lugar que possamos chamar de “Nosso Mundo”.


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